Baratas e sabonetes – Trecho do livro O Ser-se

sabonete

“Acabei de ver uma barata. Só tem uma coisa que temo mais que as baratas: a solidão. Mas solidão e baratas costumam conviver. No meu prédio, morava uma velha sozinha, que mantinha um ninho de baratas no fogão. Um dia, ela chamou o porteiro para consertar um vazamento de gás. Ao ver aquela baratada toda, ele tratou logo de atear fogo num papel e espantá-las. Mas a velha segurou rápida a mão dele: “Não vai matar as minhas bichinhas, não. Deixa as baratinhas aí, coitadas”. Resultado, ele consertou o vazamento, mas não matou as baratas. Soube disso depois que a velha já tinha morrido. Ainda bem.

O moço da Insetisan disse que baratas gostam de pasta de dente e de sabonete. Velhas também gostam de sabonete. Quando eu era pequena, não entendia o estranho hábito de minhas avós e tias presenteando-se com sabonete, no Natal. Que presente horrível! Que graça tinha aquele pedaço de sebo perfumado para usar no banho? No dia em que me dei conta de que havia começado a gostar de ganhar sabonete, fiquei desconcertada. Senti-me traindo as minhas mais sólidas convicções da infância. Então, tinha me tornado uma mulher tão estranha como minhas tias? Tinha me tornado uma velha? Tenho medo de me tornar uma velha sozinha com baratas e sabonetes…”

3 comentários sobre “Baratas e sabonetes – Trecho do livro O Ser-se

    • Patrícia, mil perdões pela demora em responder. O livro está esgotado, infelizmente. Sei que há ainda um único exemplar na Livraria da Travessa, no Centro, no Rio de Janeiro. Também é possível comprar em sebo, na Estante Virtual. Como vc soube do livro? Abs

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